Numa sala iluminada em Dakar, no Senegal, respira-se português desde o primeiro dia. “Os alunos na primeira aula saem a saber falar de si, a saberem apresentar-se”, explica José Horta, leitor do Instituto Camões em Dakar.
Uma refinada didática busca associar o francês, língua materna dos estudantes, ao idioma português, como conta a também professora Adji Diouma Diouf Sall.
Semelhanças e bloqueio
Para ela, o segredo está em “mostrar aos alunos que há uma aproximação com o francês” logo na primeira aula.
Essa estratégia passa por evidenciar semelhanças lexicais entre as duas línguas, de modo a reduzir o bloqueio inicial. “Só o facto de fazer isso na primeira aula, eles pensam logo que é uma língua fácil”.
Em entrevista à ONU News, de Dakar, ambos os docentes defendem que esta imersão imediata é essencial para captar novos alunos de Língua Portuguesa num país que é francófono e não tem ligações a Portugal. Ao mesmo tempo, é vizinho de Cabo Verde e Guiné-Bissau, países que têm o português como língua oficial.
De 10 mil a 47 mil alunos
O português José Horta lembra sua chegada ao Senegal, em 1998. Naquele ano, as matrículas de alunos de português nos liceus não passavam de 10 mil pessoas.
Hoje, são cerca de 47 mil, sem contar com quase 2 mil estudantes da licenciatura em Língua Portuguesa na Universidade Cheikh Anta Diop na capital senegalesa.
O aumento do interesse pelo português no Senegal contou com um grande promotor e estadista, o primeiro presidente do país e poeta Léopold Sédar Senghor. Grande entusiasta da língua portuguesa, ele apoiou o ensino do idioma na província de Ziguinchor entre outros locais.
Para o leitor do Instituto Camões, José Horta, o interesse atual deve-se muito aos esforços do Camões, ao longo de várias décadas, através da formação de docentes, dos centros de língua e iniciativas culturais.
“É preciso ter bons professores”, sublinha Horta. “E muitos. Sendo muitos, haverá mais que sejam bons. E também é preciso, claro, sempre uma pequena ajuda das entidades ligadas à educação, porque nada disto é assim tão simples.”
Em 2021, Dakar, comemoração do Dia da Língua Portuguesa. Número de estudantes de língua portuguesa aumento no Senegal
Professor se tornou nome de escola
José Horta é um grande entusiasta do ensino da língua no país africano.
O seu envolvimento é tal que há várias instituições de ensino batizadas com o seu nome. O compromisso do docente é visível aos colegas que admiram a incansável energia e dedicação ao idioma materno.
Para além da sala de aula, a aprendizagem do português no Senegal ganha vida através de iniciativas culturais que tornam o processo mais dinâmico e envolvente. “Por exemplo, tendo um grupo coral, como nós temos aqui, um grupo de dança, grupos de teatro, gente nossa que é capaz de criar canções, tudo isso, porque antes de nós fazermos isso, ninguém o fazia nas escolas”, explica José Horta.
Estes projetos permitem aos alunos praticar o idioma em contextos reais de comunicação, fortalecer o espírito de grupo e cultivar a criatividade, enquanto reforçam a motivação para prosseguir na aprendizagem.
Língua de futuro
Muitos estudantes senegaleses veem na língua portuguesa uma ponte para o futuro. “Eles adoram o português porque querem viajar, uns querem ir para Portugal, outros que querem ir para o Brasil”, conta Adji Diouma Diouf Sall.
A professora nota ainda que muitos consideram o português uma língua acessível, sobretudo quando comparada com outras opções disponíveis no sistema educativo senegalês.
E há ainda motivações mais simbólicas: “É a língua do Cristiano Ronaldo”, dizem-lhe frequentemente os alunos, associando o português à figura do ídolo mundial de futebol.
A Escolha de Adji
Adji Diouma Diouf Sall nem pensava ser professora de português. “Eu não era um boa aluna do espanhol”, confessa. “Então resolvi escolher o português. Assim, por acaso”.
Depois de três anos de liceu, optou pela licenciatura em português. “A minha paixão surgiu do facto de ter um bom professor, que era muito rigoroso, não era muito simpático, mas dava bem as aulas e passou essa paixão pela língua portuguesa.”
Questionada sobre as dificuldades da língua, Adji reconhece que há obstáculos pontuais, mas minimiza a complexidade do português. “Para mim, o português é fácil. Claro, temos algumas palavras… É preciso cinco verbos em português para explicar o verbo ‘prendre’ é tomar, tirar, demorar, levar e apanhar. Nesses casos, podemos dizer que é difícil. Mas, no geral, eu achei uma língua fácil.”
são cerca de 47 mil, sem contar com quase 2 mil estudantes da licenciatura em Língua Portuguesa na Universidade Cheikh Anta Diop na capital senegalesa
Uma política de sucesso
Em Lisboa, sede do Instituto Camões, a presidente da instituição, a embaixadora, Florbela Paraíba, afirma que a inclusão do português como disciplina opcional, nos anos 1960, pelo presidente Léopold Sédar Senghor, foi essencial para o sucesso do idioma.
“Eu dou muito crédito aos próprios senegaleses, na medida em que o presidente Senghor foi o primeiro presidente após a independência do Senegal, por motivos que creio que tiveram a ver com a geografia – perto de Cabo Verde e Guiné-Bissau. Também por questões políticas e com fatores afetivos”, conta à ONU News.
Nos anos 1970, o idioma chegou ao ensino superior. Atualmente, aprende-se português em mais de 300 escolas, com cerca de 470 professores formados no próprio Senegal ou através de bolsas Camões.
Dia da Língua Portuguesa: A Festa que Une
O Dia da Língua Portuguesa em Dakar transformou-se numa festa de celebração ao ar livre. “Não é uma festa de discursos”, salienta José Horta. “É um dia com muita dança, por exemplo.”
Para Florbela Paraíba, este entusiasmo tem raízes profundas. “É uma dinâmica que é fruto das pessoas que protagonizam este ensino, estarem com os alunos, darem apoio, serem entusiastas da nossa língua e transmitirem isso aos outros que a querem aprender.”
E reforça que “o interesse é genuíno”, alimentado não só por afinidades culturais e geográficas, mas também pelo reconhecimento de que o português “é uma das principais línguas faladas no nosso planeta, a principal no Hemisfério Sul”.
Uma língua africana
O crescimento do português no Senegal é apenas uma expressão de uma tendência mais ampla.
A projeção demográfica deve aumentar o número de falantes de português para 500 milhões de pessoas até o final do século, um crescimento impulsionado sobretudo pelos países africanos de língua oficial portuguesa. “Cada vez mais, o português será uma língua africana falada no continente africano”, conclui a embaixadora.
*Sara de Melo Rocha é correspondente da ONU News em Lisboa.
Source of original article: United Nations / Nações Unidas (news.un.org). Photo credit: UN. The content of this article does not necessarily reflect the views or opinion of Global Diaspora News (www.globaldiasporanews.net).
To submit your press release: (https://www.globaldiasporanews.com/pr).
To advertise on Global Diaspora News: (www.globaldiasporanews.com/ads).
Sign up to Global Diaspora News newsletter (https://www.globaldiasporanews.com/newsletter/) to start receiving updates and opportunities directly in your email inbox for free.