Em Portugal, 60% das interações violentas dirigidas a mulheres com visibilidade pública nas redes sociais subestimam as suas capacidades ou questionam o seu direito a opinar. Um quinto desses ataques nem sequer se refere às ideias expressas. É puramente pessoal.
As conclusões são de um estudo ibero-americano que analisou milhares de comentários online e revela como a violência digital é usada para demover a mulher do Estado democrático, com o objetivo de silenciar a sua voz na esfera pública.
Jornalistas e artistas
A investigação foi promovida pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Pnud, pela Secretaria-Geral Ibero-Americana, Segib, e pela Iniciativa Ibero-Americana para Prevenir e Eliminar a Violência contra as Mulheres, envolvendo oito países: Andorra, Bolívia, Espanha, México, Panamá, Portugal, República Dominicana e Uruguai.
O estudo foi apresentado em Lisboa este 29 de setembro, num evento na Assembleia da República, organizado pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, CIG, em parceria com a Segib.
Em Portugal, o único país lusófonono na lista, foram analisadas 43 contas de mulheres com presença pública ativa, desde políticas, jornalistas, artistas e ativistas. O estudo avaliou as reações às suas publicações na rede social X.
Números revelam padrões de silenciamento
A psicóloga e coordenadora da equipa de violéncia de género da CIG, Marta Silva, contou como as agressões ocorrem.
“O digital não traz nada de novo, o que traz é a forma como a violência se opera e como as coisas continuam estratificadas e, no fundo, é mais um veículo onde a discriminação e a violência se instala.”
O estudo mostra que, no caso português, a maioria dos ataques não se centra no debate de ideias, mas na tentativa de descredibilizar a mulher enquanto sujeito político.
As ofensas tentam reconduzir as mulheres a um lugar de serviço dentro de casa, como expluca Marta Silva nesta entrevista à ONU News, de Lisboa.
“O que se percebeu, de facto, é que no caso de Portugal, um quinto dessas interações, desses ataques, não eram à ideia, à opinião, eram à emissora. Isso não é para a tua cabecinha, vai mas é para a cozinha. Mantém-te no teu lugar. Não venhas para aqui, para a esfera, que é dos homens.”
Igualdade, saúde sexual e ativismo
Cerca de 60% das interações violentas são dirigidas à alegada falta de capacidade das mulheres para exercer cargos ou expressar opiniões, recorrendo a estereótipos de género persistentes.
O estudo revela também que 40% dos ataques dizem respeito à filiação política e ao ativismo cívico das mulheres, com maior incidência sobre as que defendem causas ligadas à igualdade de género, saúde sexual e reprodutiva, direitos das mulheres e ativismo climático.
Marta Silva afirma que as agressões variam conforme o partido político e que “há maior peso sobre mulheres à esquerda do que à direita”.
Os dados mostram ainda que 8% das agressões incidem sobre o corpo e a sexualidade, 2% sobre a identidade e 1% envolvem ameaças diretas à integridade física.
Autocensura e afastamento do espaço público
O efeito desta violência é profundo e pode comprometer a liberdade de expressão e a cidadania plena. Apesar do estudo não incidir na reação das visadas, Marta Silva refere que há algumas respostas frequentes, que passam por sair das redes sociais ou a autocensura.
“A pessoa cancela a sua conta. Ou suspende durante uns tempos e depois volta. Ou a pessoa autocensura-se. Passa a ser altamente cuidadosa e parcimoniosa no que vai escrever. Isto é um constrangimento ao exercício da liberdade de expressão daquela pessoa.”
São comportamentos que refletem o objetivo último desta violência. “A ideia é afastar a mulher de mais este espaço público”, explica Marta Silva.
Estudo sobre violência digital contra mulheres olhou para oito países da luso ibérica
Prevenir, denunciar, punir
Para responder ao avanço da violência digital, o estudo propõe um conjunto de medidas dirigidas aos Estados e às plataformas digitais, organizadas em três grandes eixos: prevenção, responsabilização e repressão penal.
Na área da prevenção, os especialistas defendem um investimento consistente em educação e literacia digital, sobretudo entre os mais jovens. A prioridade, sublinha Marta Silva, deve ser questionar os discursos de género e desmontar a normalização de estereótipos misóginos.
“Temos de fazer mesmo uma reflexão profunda para perceber isto: porque é que temos tantos rapazes com discursos misóginos e validados e tantas raparigas a concordarem que o seu papel deve ser mais submisso.”
Regras claras e liberdade
A segunda linha de atuação centra-se na responsabilidade das plataformas. O relatório recomenda a definição de regras claras sobre os limites da liberdade de expressão e a criação de mecanismos eficazes para a remoção de conteúdos violentos ou ameaçadores.
Marta Silva defende que é preciso “fazer um trabalho de proximidade com quem gere os Instagrams, o Facebook, os Twitters, o Meta.”
Por fim, o estudo reforça a necessidade de aplicar as leis já existentes no combate à violência online, sublinhando que muitas das condutas observadas configuram crimes de ódio, injúria, incitamento à violência ou à importunação sexual.
O relatório sugere ainda a criação de canais de denúncia rápidos e eficazes, eventualmente apoiados por inteligência artificial, capazes de rastrear e sinalizar ataques com maior celeridade e transparência.
Um fenómeno global, com raízes comuns
Portugal integra desde 2023 a Iniciativa Ibero-Americana para Prevenir e Eliminar a Violência contra a Mulher, um grupo que partilha experiências e soluções entre países com contextos culturais diversos.
“Independentemente das geografias, o que há para fazer, em maior ou menor escala, radica sempre nos mesmos problemas.”
A especialista sublinha que o digital amplifica desigualdades antigas, funcionando como extensão das violências tradicionais.
*Sara de Melo Rocha é correspondente da ONU News em Lisboa.
Source of original article: United Nations / Nações Unidas (news.un.org). Photo credit: UN. The content of this article does not necessarily reflect the views or opinion of Global Diaspora News (www.globaldiasporanews.net).
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