Uma música que fala de conselhos dados pela mãe e pela avó a uma menina que perdeu o pai, ainda na infância. Um ritmo que reúne gerações acolhendo as transformações vividas por Cabo Verde nas últimas décadas. Letras em crioulo, a língua materna, para melhor expressar as emoções.

É assim que a cantora e compositora Elida Almeida define seu talento, que começou na infância.

Nos passos de Cesária

“Eu cresci rodeada de mulheres extraordinárias. Eu perdi meu pai muito cedo, com 7 anos, então eu cresci com a minha tia, com a minha avó, com a minha mãe, com feministas fortes. E com ideologias e filosofias que eu carrego comigo até hoje e que fez de minha quem eu sou. E as minhas músicas retratam essas conversas, esses conselhos e essas bagagens que elas foram me transmitindo toda a minha vida. A minha mãe criou três filhos sozinha. Então, eu armazeno e tento transmitir tudo na minha música. Todo o aprendizado que elas tentaram me ensinar, eu tento pôr na minha música.”

Com 17 anos, Elida Almeida já havia dado à luz um menino, trabalhava numa emissora de rádio e cantava e tocava em bares na Cidade da Praia, em Cabo Verde, onde foi ouvida pelo ex-empresário de Cesária Évora, considerada a maior expoente da música cabo-verdiana no exterior.

Diáspora cabo-verdiana

A partir dali tudo mudou. Elida, que já havia ganhado dois concursos de música, foi convidada por Djô da Silva a ganhar o mundo. Entrou em estúdio para gravar seu primeiro álbum com composições próprias.

Foi descoberta pela extensa diáspora cabo-verdiana na Europa e nos Estados Unidos. A cantora conta que a passagem pelo rádio como produtora e apresentadora ensinou a ela como melhor se conectar com o público.”

“Também trabalhei, por um período na rádio, o que fortaleceu ainda mais a minha conexão com a música. Descobrir outros ritmos, de outros países, outras línguas e depois comecei a aprender alguns acordes na guitarra e daí nasceu a Elida compositora. O meu primeiro single, que eu compus quando tinha 17 anos, já conta com mais de 4 milhões de views e foi o meu primeiro single de boas-vindas.

Coral de jovens na igreja

Hoje, com 10 anos de uma carreira impulsionada também pela rapidez das redes de promoção digital, Elida Almeida, retorna de uma turnê aos Estados Unidos diretamente ao estúdio, na Europa, para gravar seu quinto álbum nos estilos coladeira, batuque e além-fronteiras.

Para a artista, o percurso de uma aldeia cabo-verdiana sem energia elétrica, água potável ou saneamento básico aos palcos de Nova Iorque, Boston ou Paris, ainda parece ser um sonho.

Nascida na ilha de Santiago, em 1993, Elida compõe canções sobre sororidade, amizade e fidelidade. Fala de amores e conquistas e dos valores aprendidos na Igreja Católica, onde integrava um coral de jovens.

Crioulo é língua da emoção

Elida Almeida canta em crioulo, sua língua materna, afirmando ser este o canal onde suas emoções fluem com mais naturalidade.

“O crioulo é a minha língua materna no qual eu me sinto à vontade para expressar, para brigar, para chorar, para festejar… Então, até agora, eu estou confortável onde estou porque consigo realmente expressar o que eu sinto sem me preocupar com a forma como vou articular, como vou pronunciar etc.”

Para a cantora, chegará um momento de gravar em português, francês ou inglês, e com artistas que admira.

A cabo-verdiana acredita que através da música, ela pode sim contribuir para construir um mundo melhor com justiça, desenvolvimento, paz e direitos humanos, que não se esquece de ninguém.

Comparada à Cesária Évora, Elida Almeida prepara quinto álbum e turnê para o Japão.

 

Acompanhe a entrevista na íntegra:

ONU News: Elida, sua música tem conquistado cada vez mais pessoas. Como esta carreira começou e onde ela está indo?

Elida Almeida: Está indo muito bem. Estou a comemorar 10 anos de carreira, numa velocidade que, às vezes, paro para pensar e olho para trás, e uau! Já conquistei muitas coisas que não estava a prever, pelo menos não nesse curto espaço de tempo.  Uma menina que nasceu e cresceu no interior da Ilha de Santiago. Matinho. Num sítio que até cinco anos atrás, nem sequer tinha eletricidade ou água potável. Nunca imaginei que, por exemplo, ontem estaria no palco do Summer Stage. Então são conquistas que literalmente são um combustível para continuar a escrever, a espalhar a música. A música entrou na minha vida, desde muito pequena, através da rádio. Rádio à pilha, que nós ouvíamos. Brincar, desde muito pequena a cantar, a tocar batuque com os vizinhos. Depois, fui para a Ilha do Maio, que é a Ilha mais próxima da Ilha de Santiago e fiz parte do grupo coral da Igreja Católica. Também trabalhei, por um período na rádio, o que fortaleceu ainda mais a minha conexão com a música. Descobrir outros ritmos, de outros países, outras línguas e depois comecei a aprender alguns acordes na guitarra e daí nasceu a Elida compositora. O meu primeiro single, que eu compus quando tinha 17 anos, já conta com mais de 4 milhões de views e foi o meu primeiro single de boas-vindas.

ON: E você foi descoberta ou não, mas contou com o apoio e promoção de uma pessoa que trabalhou com Cesária Évora. Essa pessoa ajudou a colocar você na mídia. Mas você já tinha esse conhecimento do rádio. O que você fazia na rádio?

EA: Eu fazia, apresentava tops. Apresentava programas românticos…

ON: Colega (risos)…

EA: (Risos) Lia cartas e declarações…Mas eu fui sim descoberta pelo Djô da Silva num belo dia, na Cida da Praia, depois de ter ganho dois concursos de canto em Cabo Verde. Estava a fazer uma noite num bar, na Cidade da Praia, e vi aquele senhor, que eu já conhecia porque toda gente conhece o Djô da Silva, em Cabo Verde, é o “senhor da música”. Então, ele, na mesma noite, mostrou interesse pela minha voz, pelo que eu faço, e depois descobriu que eu sou compositora, ficou ainda mais fascinado. E tudo aconteceu tão rápido. Conheci-o no mês de fevereiro, no mês de junho, já estava em estúdio com contrato assinado com a Harmonia, que depois passei para a Lusáfrica, que foi o label (gravadora) da Cesária Évora, de Polo Montañez, de Bonga e de todos os grandes da música africana e latina. Então, daí nasceu a Elida. Entrei em estúdio, pela primeira vez, a ver como funciona tudo de gravar, captar e fiquei fascinada. Em poucos meses, já tinha o primeiro disco no mercado, e o Djô da Silva tem sido o meu mentor e é o meu manager, desde lá até hoje.

Santo Antão, a ilha mais ocidental de Cabo Verde

ON: E a promoção, Elida, como é feita? Antes, a pessoas gravavam o disco, tinham que ir para o estúdio, tinham que prensar o disco. Hoje, é tudo digital, você coloca na mídia. Como é para você. É mais fácil, mas também tem mais concorrência?

EA: Sim. Tem mais concorrência. Hoje em dia, com a globalização, e toda essa mudança tornou-se mais fácil, por exemplo, a música chegar às pessoas com um click de distância, né? Em contrapartida, tem muitas desvantagens porque tornou-se mais fácil uma pessoa ser artistas, gravar do nada, ter uma carreira, bater, gravar hits.  Então ficou um bocadinho embaralhado entre qualidade e quantidade porque é tudo mais fácil hoje em dia. Mas, eu acho que a qualidade vai sempre acabar por falar mais alto. E por mais que as pessoas gostem de dançar, pular, quando chegar à casa, no final do dia, vão querer ouvir uma Cesária, vão querer ouvir um Caetano Veloso. Vai ter um momento em que uma Miriam Makeba vai cair bem etc, etc. Então, eu acho que a qualidade, temos que tirar proveito dessa globalização e expandir e levar o máximo de qualidade às pessoas.

ON: Vamos assistir a um vídeo que vai aparecer aqui no telão com sua música. Vamos ver.

EA: Este vídeo tem uma participação muito especial, o Elji BeatzKilla é um dos nomes da música cabo-verdiana, principalmente um dos grandes beatmakers e producers. Ele trabalha com gente de todo o mundo. E para mim, foi uma realização de um sonho. Fazer este duo, este featuring, que ele produziu, dirigiu o videoclipe, produziu a música. Ele é extraordinário. O que ele faz ninguém consegue fazer. Tenta copiar. Ele tem até um slogan: “Try to copy” porque o que ele faz é original. Então é uma das músicas e um dos featurings que eu mais me orgulho.

ON: E como é o nome da música? Fala de quê? Eu vi tanta gente…

EA: Homi Nha Amiga. Fala da sororidade feminina. Principalmente daquele tema: se eu sou hétero e se este homem é teu, para mim ele é uma mulher. Eu não me interesso por ele, ele nunca há de me chamar a atenção.

ON: Não vai roubar o namorado da amiga…

EA: Exatamente. Exatamente isso. Então essa música fala disso.

ON: Que foi um conselho que a sua mãe também te deu. E sua avó também. “Não se meter com homens…”

EA: Casados etc. (Risos). Eu cresci rodeada de mulheres extraordinárias. Eu perdi meu pai muito cedo, com 7 anos, então eu cresci com a minha tia, com a minha avó, com a minha mãe, com feministas fortes. E com ideologias e filosofias que eu carrego comigo até hoje e que fez de minha quem eu sou. E as minhas músicas retratam essas conversas, esses conselhos e essas bagagens que elas foram me transmitindo toda a minha vida. A minha mãe criou três filhos sozinha. Então, eu armazeno e tento transmitir tudo na minha música. Todo o aprendizado que elas tentaram me ensinar, eu tento pôr na minha música.

Pnud/Projecto Vitó Association

Ilha do Fogo, Cabo Verde

ON: E o combate à gravidez na adolescência porque você passou por isso.

EA: É. Meu filho tem 15 anos. Eu tenho 32, meu filho tem 15 anos.  Eu tive meu filho com 17 anos. Uma gravidez bastante precoce para o resto do mundo, mas é uma coisa que, infelizmente, acontece muito em Cabo Verde. Mas eu tento através das coisas que eu passo, através dos flagelos sociais, das preocupações que nós temos em Cabo Verde, tento colocar sempre isto colado uma boa “vibe”, a uma boa melodia para que as pessoas mesmo as que estão a dançar, voltem para casa com uma reflexão. Qual é o meu papel na sociedade de Cabo Verde? O que eu posso fazer para mudar? O que pode ser o meu contributo? Então, eu tento sempre a dar lições como, por exemplo, “Joana” que fala da minha gravidez precoce, como “Forti Dor” que fala de guerras de grupos rivais, que nós temos muito em Cabo Verde. Como Mexem, que fala de uma menina que foi abusada sexualmente pelo padrasto desde criança. Mas também falo de coisas boas, do Bersu d’Oru. Eu digo que eu nasci no Bersu d’Oru porque eu sou de um Concelho que respira música que é pai de funaná, de batuku, de tabanka entre outros.

ON: Você citou que cresceu num lugar que ainda não energia elétrica, saneamento básico, água potável… E aí quando eu ouço você falar, parece que você está falando dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. E na sua música você passa a igualdade de gênero, que é o ODS 5. Você pretende expandir isso a outras línguas também?

EA: Eu já gravei uma música que tem um bocadinho de português. O crioulo é a minha língua materna no qual eu me sinto à vontade para expressar, para brigar, para chorar, para festejar… Então, até agora, eu estou confortável onde estou porque consigo realmente expressar o que eu sinto sem me preocupar com a forma como vou articular, como vou pronunciar etc. Mas eu só tenho 32 anos, vivo rodeada e influenciada de estilos e ritmos do mundo inteiro. Então é óbvio que vai haver um momento, onde vou cantar em outra línguas, vou fazer parcerias e features em outras línguas.  E estou aberta. Quando acontecer, será. E vou sentir muito orgulho em conquistar e em chegar em outros tipos de povos.

ON: Então, atenção, artistas da lusofonia, Elida está aberta a várias propostas…

EA: (Risos)

ON: Mas eu quero falar um pouco do que você ouve agora. O que você gosta de ouvir. A gente tem tanta coisa na lusofonia, tem Brasil, e aqui nos Estados Unidos, onde vive grande parte da diáspora cabo-verdiana. Quais são as suas influências?

EA: Eu sou um bocadinho bipolar no que tange a gêneros musicais. Acordo num dia, e, pá, me apetece ouvir uma música: Joe, que está a bater muito.  Neste momento, estou a ouvir também do Brasil, fiz uma descoberta incrível que é o Jota Pe, que tem uma voz extraordinária, que acalma a minha alma. Quando estou a viajar no avião, oiço muito. Curiosamente, oiço muito Cesária porque faço parte da Orquestra Cesária, o que me aproximou ainda mais da música da Cesária, do que ela fez. Trabalho com pessoas que já trabalharam com ele, tipo, oiço histórias incríveis da mulher que ela foi. Tudo isso aproximou-me muito mais da Cesária. Oiço muito Ildo Lobo que é um músico da nossa terra. Tem uma voz extraordinária. Oiço muito a música portuguesa também. Oiço Carolina Deslandes. É pá, como disse, sou um pouco bipolar. Acordo num dia, apetece-me ouvir Bob Marley. E estou aí. Bob Marley o dia todo. Eu oiço tudo.

ON: Você escuta tudo. Seus ouvidos estão educados para tudo. E rede social, você usa? Quem faz as suas redes sociais?

EA: Eu. As pessoas gostam. Os seguidores gostam de sentirem-se próximos do artista. Estão no meu dia. Acompanham-me. As pessoas dizem: ‘Ah, eu só vi aqui para ver a Pinguina”, que é a minha filha, que eu chamo de Pinguina. Dizem: ‘Só vim aqui para ver-te a levar a Pinguina para o jardim. Para ver o teu filho brincar com a tua filha’.  Então, as pessoas gostam de sentirem próximas de ti, do que fazes, do teu dia a dia. Então, até agora eu que giro todas as minas redes sociais. Tem pessoas que têm acesso no meu Facebook, no X, mas sobretudo Instagram, TikTok, eu tenho acesso direto. Mas tem sempre equipa que também faz o trabalho. Mesmo o dia a dia, aquela aproximação. Eu é que faço.

ON: Vamos falar da sua turnê nesse momento aqui (nos Estados Unidos, programa gravado em 28 de julho de 2025). E também sobre o que está sendo programado para 2025/2026, esta virada de ano?

EA: A nossa turnê começou no sábado. Nós estivemos em New Jersey. Foi o primeiro concerto, foi muito bonito. As pessoas vibraram comigo, cantaram, aprenderam a falar em crioulo, a cantar em crioulo.   Ontem, nós estivemos no Summer Stage, hoje vamos cantar para a comunidade. Vou fazer uma coisa bem intimista em Boston. Depois, vamos voltar a Nova Iorque, para Saratoga. Vamos fazer também Rhode Island, pela primeira vez Central Falls. Estou muito ansiosa. Depois, voltou para Europa. Vou entrar em estúdio agora, na segunda quinzena de agosto, para preparar o meu próximo disco, é o quinto. Já estou com aquele friozinho, estou nervosa, ansiosa, é um momento muito especial, é como se estivesse a gerar uma criança. É um momento muito bonito.  Eu vou para o Japão este ano. Tenho uma turnê bem gira com muitas datas no Japão. E 2026 vai ser um ano muito bonito. Eu acho que a gente vai voltar aos Estados Unidos para uma turnê também

ON: E no Japão, é a comunidade lusófona?

EA:  Não. Eu já conheço muitos países e há lugares que eu já fui e disse: não vou encontrar aqui nenhum cabo-verdiano e tinha. Nós estamos por todo lado. O cabo-verdiano é um povo que viaja, é um povo da imigração. Nós vivemos da imigração. Com certeza, que vou ter cabo-verdianos e até lusófonos no espetáculo. Pelo que eu sei é uma turnê que está a ser produzida, programada a para a população local.

ON: Você falou já em Portugal, Alemanha.  E Brasil, tem alguma coisa preparada. Planos?

EA: Eu já estive lá. Fiz uma turnê em São Paulo. Fiz quatro datas. Foi uma coisa muito bonita. Tem uma comunidade bem bonita de cabo-verdianos lá também. Eu gostaria. Ainda ontem, eu conheci uma brasileira que é cabo-verdiana também. Ela é da Bahia. E eu disse a ela que gostaria tanto de conhecer a Bahia. Nós temos muita coisa em comum. Aliás, Cabo Verde tem uma ligação muito forte com o Brasil. Então, quiça?

ON: Vou pedir a você para cantar uma música para a gente agora.

EA: Vou cantar Bersu d’Oru.

ON: Bravo. Volte sempre.

EA: Muito obrigada!

Source of original article: United Nations / Nações Unidas (news.un.org). Photo credit: UN. The content of this article does not necessarily reflect the views or opinion of Global Diaspora News (www.globaldiasporanews.net).

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